quarta-feira, 24 de outubro de 2012

Cultura:
LIVROS CENSURADOS
Perigo: lombada
Por Plínio Fraga
Rubem Fonseca não podia ser lido por enfocar a “face obscura da sociedade” e fazer alusões desmerecedoras aos responsáveis pelo destino do Brasil. Aguinaldo Silva deveria ter obra recolhida porque narrava caso de homossexualidade nas Forças Armadas e ofendia militares e padres. Cassandra Rios passava uma visão nociva e deprimente de relacionamentos ao narrar uma conquista lésbica. A literatura brasileira não produzia esses ataques morais de modo isolado, mas sim, como parte de um plano subversivo contra a segurança nacional. Era assim que a ditadura via a produção literária nacional. Os militares reagiam proibindo e recolhendo livros. Num único caso extremo, prenderam um autor. O perigo estava na lombada, mesmo que fosse simplesmente o dorso de um livro.
Esta memória das trevas, explicada em detalhes por meio de documentos inéditos, vem à luz com a publicação de Repressão e resistência – Censura a livros na ditadura militar (Edusp/Fapesp), de Sandra Reimão, doutora em Comunicação e Semiótica e livre docente na Escola de Comunicações, Artes e Humanidades da Universidade de São Paulo (USP). O estudo revela a lógica e a documentação que justificou a censura de livros nos 18 anos em que foi regulamentada por lei depois do golpe de 1964. A atividade vigorou oficialmente entre 1970, quando tornada lei por decreto, e 1988, quando abolida pela promulgação da nova Constituição, resultando na proibição ou no recolhimento de ao menos 490 livros. A maior parte, por serem “atentatórios a moral e aos bons costumes”. Os números referem-se aos processos encontrados no Arquivo Nacional, mas é impossível saber se refletem a totalidade dos casos. “Até a criação do Departamento de Censura, a difusão da atividade era diluída entre as autoridades da estrutura política. Antes de 1970, houve atos de violência contra editores, apreensões de livros, invasões de livrarias, ataques contra intelectuais engajados. Mas não havia a estruturação de um sistema único de censura”, afirma Sandra Reimão.
O único escritor levado à cadeia

O mais perseguido nome do período foi o editor Ênio Silveira, da Civilização Brasileira, que por diversas vezes foi preso, teve a editora invadida e acumulou dezenas de obras apreendidas. Segundo Elio Gaspari, em A ditadura envergonhada, o presidente Castello Branco reconheceu as ações de seu próprio governo contra Silveira, em 1965, como sendo de “terror cultural”. Era uma época tão confusa que os militares proibiram a circulação do clássico da literatura erótica Kama sutra com o mesmo fervor com que apreenderam em uma feira de livros em Niterói a encíclica “Mater et Magistra”, do papa João XXIII. “Esse tipo de violência já criava um ambiente de autocensura, porque publicar livros custava relativamente mais caro do que hoje. O risco de ter uma edição apreendida ou uma editora invadida causava muita insegurança. Para o Estado autoritário, os subversivos queriam minar os valores morais da sociedade como forma de atingir a segurança nacional”, analisa Sandra.
A censura foi então estruturada e profissionalizada. Mas o cerceamento à publicação de livros no Brasil foi, comparativamente, mais brando e menos efetivo do que em outras áreas, como o cinema e a televisão. Seus anos de maior pico foram 1975, 1976 e 1978, com 102, 61 e 62 obras censuradas, respectivamente. O decreto 1.077, de 26 de janeiro de 1970, que regulamentou a ação da censura, deixava claras as preocupações dos militares: “Tem se generalizado a divulgação de livros que ofendem frontalmente à moral comum; tais publicações e exteriorizações estimulam a licença, insinuam o amor livre e ameaçam destruir os valores morais da sociedade; o emprego desses meios de comunicação obedece a um plano subversivo, que põe em risco a segurança nacional.”
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